O público leigo tem certa dificuldade de entender as limitações e possibilidades da ciência. Muitas pessoas erroneamente acreditam que uma vez que “descobrimos” alguma coisa, aquilo então está “resolvido” e a humanidade não precisa mais se preocupar com o problema. Por exemplo, um aluno me questionou esses dias sobre o gene do cabelo branco (que foi recentemente descoberto). Dentro de sua compreensão, como o gene foi descoberto, agora então poderíamos criar uma terapia genética para prevenir e reverter a perda de coloração nos cabelos. Simples assim, afinal de contas, nós agora já sabemos qual o gene. Qual o problema? Por que não há tratamentos já que resolvem a questão?!
Nada em genética é “simples assim”! O genoma humano é extremamente complexo e um dos principais desafios que enfrentamos é o fato de que muitos genes tem múltiplas responsabilidades, digamos assim. Ao alterar um único gene visando consertar um problema específico, nós podemos inadvertidamente criar inúmeros outros, pois aquele gene alterado também era responsável por outras características desconhecidas. Em alguns casos um gene tem uma expressão bem singular, como genes responsáveis por doenças raras. Nesses casos, nós temos tido sucesso editando embriões ou fazendo terapia genética em adultos através da técnica CRISPR (apesar de tudo isso ainda estar em fase experimental e não estar sendo usado na prática com frequência).
Essa técnica de edição genética, apesar de extremamente simples e barata, é quase como um sonho de ficção científica que se tornou realidade. Para quem nunca ouviu falar da CRISPR (lê-se “crisper”), esse é um procedimento na qual podemos literalmente editar o genoma como se conserta um programa de computador cujas linhas de programação contêm erros. De forma bem simples, o DNA da pessoa (ou embrião) é “consertado” e então usa-se um vírus (sim, isso mesmo, um vírus!) que injetado na corrente sanguínea do paciente irá “infectar” as células e informá-las sobre as mudanças no DNA. As células do paciente então se regeneram com a informação “consertada” no DNA. Não parece coisa de ficção científica? Mas é realidade! Isso não só é possível, como é bem simples, barato e muitos cientistas podem fazer experimentos em laboratórios caseiros (geralmente usando plantas como cobaias!).
É claro que tudo o que lida com a biologia (não digo apenas do corpo humano, pois isso se aplica a todos os seres vivos) tem seus riscos. Por isso, a aplicação da técnica ou de qualquer outro tipo de terapia genética é regulamentada na maioria dos países desenvolvidos. No momento, podemos curar apenas doenças graves, raras, e fatais. Quando o paciente pode perder a vida devido à alteração genética nos próximos cinco anos, o risco da terapia é justificado. Terapias genéticas já acontecem e vão continuar progredindo para curar doenças causadas por um único gene. Nesses casos, a técnica CRISPR é usada para inutilizar certa parte de um gene específico que só codifica para aquela condição de saúde. Com o gene sem poder funcionar, a doença para de se manifestar. Isso não pode ser feito, contudo, quando a doença é causada por mais de um gene ou quando o gene é responsável por inúmeras funções e características no corpo. Diabetes, por exemplo, é causada por uma combinação de muitos genes e ainda influência do ambiente e hábitos da pessoa em cima desses genes. A ciência ainda está muito longe de conseguir curar a diabetes com terapia genética.
Esse cuidado será necessário até que a ciência tenha conhecimento pleno do funcionamento do genoma humano, sabendo como (pelo menos) boa parte dos genes funcionam em sua totalidade. Nós não podemos, por exemplo, tentar consertar o problema do embranquecimento dos cabelos e acabar causando cegueira no paciente por alterar um gene cujas funções não eram completamente conhecidas!
Contudo, a tendência é que essas dificuldades sejam superadas no futuro. Nós nem sequer conhecemos a totalidade do genoma humano ainda (por incrível que pareça!). No futuro, será possível não só programar embriões e eliminar a possibilidade das mais variadas doenças geneticamente transmissíveis, como poderemos habitualmente editar o genoma de adultos, alterando cor de pele, cabelo, olhos, corrigindo problemas de nascença e outros que surgem durante a vida. Contudo, ainda estamos muito longe desta realidade. As questões éticas estão entre as maiores preocupações. Podemos ter a ingenuidade e a boa intenção de desejar curar doenças e melhorar a qualidade de vida de seres humanos e outros animais, mas tudo isso precisará ser regulado por legislação que controle quem pode utilizar esses benefícios e como. Filmes como Gattaca abordam cenários de como a sociedade por ser afetada pela manipulação genética antiética, onde a minoria econômica dita as regras do jogo. Num futuro próximo, precisaremos lidar com pais querendo “construir” um filho geneticamente perfeito. Até certo ponto, não poderemos evitar certas edições genéticas ou seleção de embriões (o que já ocorre em muitos países), mas certamente será preciso regras para evitar abusos.
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James Keller é biólogo e geneticista formado pela Universidade de Vanderbilt. James possui mestrado em biotecnologia pelo MIT e trabalha com consultoria para novas startups nesta área.