É incrível imaginar que antes dos anos 90 não tínhamos muita ideia sobre os nossos próprios genes. Tínhamos obviamente uma compreensão do funcionamento da genética humana já há muitas décadas, mas não conhecíamos nossos próprios genes. Vale mencionar que ainda temos muito chão pela frente e não sabemos muita coisa, mas ao me dar conta dessa perspectiva eu me sinto maravilhado. Apenas 30 anos atrás não sabíamos quase nada sobre o genoma humano, agora já sabemos bastante, o suficiente para curar algumas doenças e até mesmo editar genes. Uma pessoa me perguntou esses dias o que vem pela frente, o que devemos esperar agora que já temos um bom conhecimento sobre o genoma humano?
O projeto genoma humano foi um projeto que envolveu milhares de cientistas no mundo todo a partir de 1990 a fim de mapear 100% do genoma humano, incluindo a identificação de todos os nucleotídeos que o compõem (por exemplo, era preciso identificar que o gene XYZ era composto da sequência ATGGCAGA). Isso era um trabalho muito minucioso e mesmo contando com milhares de cientistas, incluindo biólogos, bioquímicos, geneticistas e engenheiros biomédicos, o projeto todo levou 13 anos para ser completado.
Eric Green, um dos cientistas que participou do projeto Genoma Humano do começo ao fim diz que muitas ferramentas que temos hoje para lidar com bioquímica e genética foram desenvolvidas graças ao projeto Genoma. Ele diz que no início os cientistas não tinham praticamente nada com que trabalhar. Não tinham softwares adequados, a internet ainda era incipiente, e não havia regras ou procedimentos a seguir. Ninguém sabia o que fazer. As soluções foram aparecendo aos poucos. Softwares, reagentes químicos, procedimentos específicos e equipamentos foram sendo inventados para lidar com as necessidades do projeto.
Os primeiros anos após o fim do projeto foram marcados por um crescimento exponencial em tecnologias genéticas. Surgiram os testes de DNA populares que as pessoas podem fazer em casa. Surgiram as técnicas de edição do genoma, a mais famosa sendo a CRISPR. Clones de plantas e animais se tornaram comuns. O biohacking se popularizou, assim como os biólogos caseiros que compram kits online e podem “brincar” com bactérias e editar genes de plantas e micro-organismos.
A próxima década será marcada por avanços mais focados na área médica como terapias genéticas, edição de genes para eliminar doenças (veja que esse tipo de edição é diferente de edição de embriões e não afeta a evolução da espécie), aumento ao acesso a exames de DNA (exames de DNA em consultas médicas se tornará comum).
O campo da genética já evoluiu ao ponto que as ferramentas genômicas estão por toda a área biológica, desde soluções para combater insetos nocivos até inovações na indústria da cerveja. O que veremos na próxima década é uma ampliação e popularização dessas ferramentas, associada a uma crescente compreensão dos processos genéticos que afetam a vida no planeta (não só a vida humana). Terapias para várias doenças, incluindo câncer, serão baseadas no perfil genético do paciente. Há apenas 10 anos isso era apenas teoria, algo que esperávamos para o futuro. O futuro já chegou. Hoje, médicos podem solicitar mapeamento genético para determinar qual variação de um gene específico o paciente possui e com base nessa informação adaptar o tratamento para que tenha maiores chances de sucesso naquele paciente.
Para as próximas décadas (talvez não nessa década) o objetivo é conhecer nosso genoma a ponto de saber exatamente o que faz cada gene. Nós ainda não sabemos a função de muitos genes. Para complicar, há genes que possuem múltiplas funções não relacionadas entre si. Um gene que está ligado a diabetes, por exemplo, também controla a altura da pessoa e mais um monte de outras coisas. Mas a altura também é determinada por pequenos trechos de inúmeros outros genes. É por esse motivo que expectativas de bebês geneticamente perfeitos sendo encomendados por milionários em clínicas de fertilização é utopia, pelo menos por enquanto. As pessoas se iludem muito com casos de escolha de cor do olho da criança, por exemplo. Mas isso não é manipulação genética, é escolha de embriões. Se o casal têm condições genéticas de ter um bebê de olhos claros, por exemplo (nem todos têm), alguns embriões produzidor terão olhos claros, outros olhos escuros. Nesse caso, o médico seleciona somente os embriões de olhos claros para implantação. Agora, manipular diretamente os genes através de técnicas como CRISPR para produzir uma criança com olhos claros, alta, magra, sem tendência para ter diabetes (ou qualquer outra doença), inteligente, e o que mais os pais desejem ainda é completamente impossível pois os genes que controlam essas características são muitos e também controlam outras coisas. Ou seja, se alterarmos dois ou três genes para produzir uma criança que será mais alta quando adulta, estaremos invariavelmente mexendo em outras características que nem sequer sabemos ainda quais são. Os resultados podem ser desastrosos. O que é realista para a próxima década são as terapias genéticas que alteram os genes de uma criança ou adulto (sem alterar a linha germinal) para curar doenças que são causadas por um único gene como anemia falciforme, por exemplo. Ainda estamos muito longe da possibilidade de editar embriões, seja para curar doenças ou para produzir bebês “perfeitos”.
James Keller é biólogo e geneticista formado pela Universidade de Vanderbilt. James possui mestrado em biotecnologia pelo MIT e trabalha com consultoria para novas startups nesta área.