A origem da vida na Terra continua sendo palco de debates acalorados. Tentar descobrir o que ocorreu há bilhões de anos não é fácil, mas também não é impossível como alguns acreditam. Até pouco tempo a teoria do mundo do RNA era a mais provável, não porque tínhamos evidências sólidas que suportassem essa hipótese, mas porque a molécula de RNA é mais simples e então os teóricos imaginaram que teria sido mais provável que o RNA tivesse aparecido antes do DNA. Mas agora essa teoria está sendo questionada.
DNA e RNA ambos determinam o perfil genético de toda a vida na Terra. Enquanto o DNA é código que contém as receitas para fazer novas células e as proteínas que fazem tudo funcionar, o RNA é responsável pelo trabalho duro: ler e decodificar toda essa informação. É provável que os teóricos do mundo do RNA estejam certos em que o RNA pode ter aparecido bem cedo na evolução da vida. A molécula de RNA, contudo, é muito instável e uma crítica que sempre existiu contra a teoria do mundo do RNA era de que não seria possível que a vida tivesse se estabelecido só com RNA e tivesse vingado por um tempo até o aparecido do DNA, uma molécula muito mais estável. O problema com essa instabilidade do RNA é que ele não seria capaz de segurar a informação necessária para replicação e manutenção de uma linha evolutiva por muito tempo. Além disso, o RNA precisa de enzimas para atuar, e sabemos que enzimas surgiram depois do RNA. O RNA em nossas células é uma molécula ágil que “vem e vai” rapidamente. Dentre muitas funções, o RNA é responsável por se anexar à fita molde de DNA após este se “desenrolar” para que possa ler o conteúdo da fita de DNA e realizar uma cópia da mesma para que a célula possa se reproduzir. O DNA sozinho não consegue se duplicar, ele precisa das várias funções do RNA para que todo o processo de duplicação de uma célula ocorra.
Como o DNA é muito complexo, pensava-se que o RNA tivesse surgido antes e com o passar do tempo, as células desenvolveram DNA. Há evidências agora de que ambos possam ter aparecido ao mesmo tempo – o que na realidade faz muito mais sentido do que tentar justificar que uma molécula que sabemos ser instável sobreviveu por milhões de anos segurando as informações que depois seriam responsabilidade do DNA. O que incrível é que agora não estamos mais lidando com hipóteses e teorias que lidam com a lógica do que pode ter acontecido no passado. As evidências que estão surgindo agora são baseadas em estudos em laboratório.
O mais recente estudo a dar suporte a ideia de que DNA e RNA surgiram juntos explica como um composto simples, o diamidofosfato (DAP), que provavelmente surgiu antes da vida em si, consegue “costurar” blocos de DNA, os desoxinucleotídeos, em fitas básicas de DNA. Os estudos em laboratório tem demonstrado como o DAP, que faz pequenas fitas de DNA, junto com compostos orgânicos, que dão origem ao RNA espontaneamente, conseguem firmar uma parceria que pode ter sido justamente o que ocorreu no início da vida na Terra.
O mundo do RNA, contudo, não está morto ainda! Essas pesquisas apenas suportam a ideia de que o DNA não apareceu milhões de anos depois do RNA, mas provavelmente ao mesmo tempo, de forma mais rudimentar do que o DNA que as células carregam hoje.
O futuro dessas pesquisas é continuar misturando os ingredientes que supomos que estavam disponíveis na Terra primitiva, o que inclui os compostos químicos para formação de RNA e DAP, e ver se essas moléculas começam a se replicar e eventualmente evoluir. Se isso ocorrer, acredita-se que o mistério da origem da vida será solucionado.
James Keller é biólogo e geneticista formado pela Universidade de Vanderbilt. James possui mestrado em biotecnologia pelo MIT e trabalha com consultoria para novas startups nesta área.